O que não temos quando amamos.
O barco pára, largo os remos
E, um a outro, as mãos nos damos.
A quem dou as mãos?
À Outra.
Teus beijos são de mel de boca, são os que sempre pensei dar, e agora e minha boca toca a boca que eu sonhei beijar. De quem é a boca?
Da Outra.
Os remos já caíram na água, o barco faz o que a água quer. Meus braços vingam minha mágoa no abraço que enfim podem ter.
Quem abraço?
A Outra.
Bem sei, és bela, és quem desejei não deixe a vida que eu deseje mais que o que pode ser teu beijo e poder ser eu que te beije.
Beijo, e em quem penso?
Na Outra.
Os remos vão perdidos já, o barco vai não sei para onde. Que fresco o teu sorriso está, ah, meu amor, e o que ele esconde!
Que é do sorriso
Da Outra?
Ah, talvez, mortos ambos nós,num outro rio sem lugar em outro barco outra vez sós possamos nos recomeçar que talvez sejas
A Outra.
Mas não, nem onde essa paisagem é sob eterna luz eterna te acharei mais que alguém na viagem que amei com ansiedade terna por ser parecida com a Outra.
Ah, por ora, idos remo e rumo, dá-me as mãos, a boca, o ter ser. Façamos desta hora um resumo do que não poderemos ter.
Nesta hora, a única, sê a Outra.
Fernando Pessoa
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