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sábado, 22 de agosto de 2020

Silêncio - Florbela Espanca

No fadário que é meu, neste penar,
noite alta, noite escura, noite morta,
sou o vento que geme e quer entrar,
sou o vento que vai bater-te a porta...
vivo longe de ti, mas que me importa? 

Se eu já não vivo em mim,
ando a vaguear. 

Em roda a tua casa, 
a procurar beber-te a vez, 
apaixonada, absorta! 

Estou junto a ti e não me vês... 
quantas vezes no livro que tu lês. 

Meu olhar se pousou e se perdeu! 
Trago-te como um filho nos meus braços!

E na sua casa...Escuta! uns leves passos... 
Silêncio! meu amor!...abre!... sou eu!...

Florbela Espanca

domingo, 21 de janeiro de 2018

A minha dor - Florbela Espanca

A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias…

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve…

ninguém vê…
ninguém…

Florbela Espanca

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Inconstância - Florbela Espanca

Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer…
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando…
E este amor que assim me vai fugindo

É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também… nem eu sei quando…

Florbela Espanca

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Se tu viesses ver-me hoje a tardinha - Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca

sábado, 4 de abril de 2015

Tortura - Florbela Espanca

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
 E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
– E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

Florbela Espanca

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Nunca te beijei - Florbela Espanca


Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !

Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Florbela Espanca
Filme Casablanca

terça-feira, 29 de setembro de 2009

A Flor do Sonho - Florbela Espanca


A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim! …
Milagre… fantasia… ou, talvez, sina…

Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…


Florbela Espanca

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Os teus olhos - Florbela Espanca

O céu azul, não era
Dessa cor, antigamente;
Era branco como um lírio,
Ou como estrela cadente.

Um dia, fez Deus uns olhos
Tão azuis como esses teus,
Que olharam admirados
A taça branca dos céus.

Quando sentiu esse olhar:
“Que doçura de primor!”
Disse o céu, e ciumento,
Tornou-se da mesma cor!

Florbela Espanca
Foto premiada de menina Afegã de olhos lindos
pela National Geografic

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Desejos vãos - Florbela Espanca


Eu queria ser o Mar de altivo porte 
Que ri e canta, a vastidão imensa! 
Eu queria ser a Pedra que não pensa, 
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa, 
O bem do que é humilde e não tem sorte! 
Eu queria ser a Árvore tosca e tensa 
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza… 
As árvores também, como quem reza, 
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol, altivo e forte, ao fim de um dia, 
Tem lágrimas de sangue na agonia! 
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…

Florbela Espanca

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O Nosso Mundo - Florbela Espanca

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Pousando em ti o meu amor eterno
Como pousam as folhas sobre os lagos…

Os meus sonhos agora são mais vagos…
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A vida, meu Amor, quer vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?…
O mundo, Amor?… 
As nossas bocas juntas!…


Florbela Espanca

domingo, 4 de janeiro de 2009

Amar! - Florbela Espanca


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó ,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder...  
pra me encontrar...

Florbela Espanca

terça-feira, 24 de junho de 2008

Eu - Florbela Espanca

Até agora eu não me conhecia,
julgava que era eu e eu não era.

Aquela que em meus versos descrevera.

Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era.

Eu não o sabia mesmo que o soubesse, o não dissera…
Olhos fitos em rútila quimera

Andava atrás de mim… e não me via!
Andava a procurar-me pobre louca!

E achei o meu olhar no teu olhar,
e a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
e a chama da tua alma a esbrasear

As apagadas cinzas da minha alma!


Florbela Espanca

sábado, 4 de novembro de 2006

Lagrimas ocultas - Florbela Espanca


Se me ponho a cismar em outras eras
em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida.

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!


Florbela Espanca