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sábado, 16 de janeiro de 2021

Separação - Vinicius de Moraes

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. 

No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo. 

Ela o olhava com um olhar intenso onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles. 

Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória. 

Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. 

Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.

Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. 

Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar aqueles das mundos que eram ele e ela. 

Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se multo longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce. 

Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela. 

Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. 

Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. 

E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. 

Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias - um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas. 

De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde… 

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Poetica - Vinicius de Moraes

De manhã escureço
de dia tardo
de tarde anoiteço
de noite ardo.

A oeste a morte
contra quem vivo
do sul cativo
o este é meu norte.

Outros que contem
passo por passo:
eu morro ontem

Nasço amanhã
ando onde há espaço:
meu tempo é quando.

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Receita de mulher - Vinicius de Moraes

As muito feias que me perdoem 
mas beleza é fundamental. 

É preciso 
que haja qualquer coisa de flor em tudo isso 
qualquer coisa de dança, 
qualquer coisa de haute couture em tudo isso 
(ou então que a mulher se socialize elegantemente em azul, 
como na República Popular Chinesa)

Não há meio-termo possível. 
É preciso 
que tudo isso seja belo. É preciso 
que súbito tenha-se a impressão 
de ver uma garça apenas pousada 
e que um rosto adquira de vez em quando essa cor 
só encontrável no terceiro minuto da aurora. 

É preciso que tudo isso seja sem ser, 
mas que se reflita e desabroche 
no olhar dos homens. É preciso, 
é absolutamente preciso 
que seja tudo belo e inesperado. 

É preciso 
que umas pálpebras cerradas 
lembrem um verso de Éluard 
e que se acaricie nuns braços 
alguma coisa além da carne: que se os toque 
como no âmbar de uma tarde. 
Ah, deixai-me dizer-vos 

Que é preciso que a mulher 
que ali está como a corola ante o pássaro 
seja bela ou tenha pelo menos 
um rosto que lembre um templo e 
seja leve como um resto de nuvem: 
mas que seja uma nuvem 
Com olhos e nádegas. 

Nádegas é importantíssimo. 
Olhos então 
Nem se fala, 
que olhe com certa maldade inocente. 

Uma boca Fresca (nunca úmida!) 
é também de extrema pertinência. 

É preciso que as extremidades sejam magras; 
que uns ossos despontem, 
sobretudo a rótula no cruzar das pernas, 
e as pontas pélvicas 
no enlaçar de uma cintura semovente. 

Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: 
uma mulher sem saboneteiras 
é como um rio sem pontes. 
Indispensável. 

Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida 
a mulher se alteie em cálice, e que seus seios 
sejam uma expressão greco-romana, 
mas que gótica ou barroca 
E possam iluminar o escuro 
com uma capacidade mínima de cinco velas. 

Sobremodo pertinaz é estarem a caveira
e a coluna vertebral 
levemente à mostra; 
e que exista um grande latifúndio dorsal! 

Os membros que terminem como hastes, 
mas que haja um certo volume de coxas 
e que elas sejam lisas, 
lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem 
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio 
Apenas sensível 
(um mínimo de produtos farmacêuticos!). 

Preferíveis sem dúvida os pescoços longos 
de forma que a cabeça dê por vezes a impressão 
de nada ter a ver com o corpo,
e a mulher não lembre flores sem mistério. 

Pés e mãos devem conter elementos góticos 
Discretos.A pele deve ser frescas nas mãos, 
nos braços, no dorso, e na face 
mas que as concavidades e reentrâncias 
tenham uma temperatura nunca inferior 
a 37 graus centígrados, 
podendo eventualmente 
provocar queimaduras do primeiro grau. 

Os olhos, que sejam de preferência grandes 
e de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; 
e que se coloquem sempre para lá 
de um invisível muro de paixão 
que é preciso ultrapassar.

Que a mulher seja em princípio alta 
ou, caso baixa, que tenha a atitude mental 
dos altos píncaros. 

Ah, que a mulher dê sempre a impressão 
de que se fechar os olhos 
ao abri-los ela não estará mais presente 
com seu sorriso e suas tramas.
Que ela surja, não venha; 
parta, não vá 

E que possua uma certa capacidade 
de emudecer subitamente e nos fazer beber 
O fel da dúvida.
Oh, sobretudo 
Que ela não perca nunca, 
Não importa em que mundo 
Não importa em que circunstâncias, 
a sua infinita volubilidade de pássaro; 
e que acariciada no fundo de si mesma 
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; 
e que exale sempre o impossível perfume; 
e destile sempre o embriagante mel; 
e cante sempre o inaudível canto da sua combustão; 
e não deixe de ser nunca a eterna dançarina do efêmero; 

E em sua incalculável imperfeição 
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita 
de toda a criação inumerável.

Inspiração na Monica Bellucci fazendo 55 anos

sábado, 9 de maio de 2020

Poema dos olhos da amada - Vinicius de Moraes

Ó minha amada 
Que olhos os teus 
São cais noturnos cheios de adeus 
São docas mansas trilhando luzes 
Que brilham longe 
Longe dos breus… 

Ó minha amada que olhos os teus 
Quanto mistério nos olhos teus 
Quantos saveiros quantos navios 
Quantos naufrágios nos olhos teus… 

Ó minha amada 
Que olhos os teus 
Se Deus houvera fizera-os Deus 
Pois não os fizera quem não soubera 
Que há muitas era nos olhos teus. 

Ah, minha amada 
De olhos ateus cria a esperança 
Nos olhos meus 
De verem um dia o olhar mendigo 
Da poesia nos olhos teus.

Vinícius de Moraes

domingo, 24 de dezembro de 2017

Poema de Natal - Vinicius de Moraes

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos.

Por isso temos braços 
longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente. 

Vinicius de Moraes 
Livro "Antologia Poética", Rio de Janeiro, 1960.

domingo, 17 de dezembro de 2017

A mulher que passa - Vinicius de Moraes

Meu Deus,
eu quero a mulher que passa.

Seu dorso frio
é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! Como és linda,
mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites,
dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.

Teus pelos são relva boa
Fresca e macia.

Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus,
eu quero a mulher que passa!
Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontravas se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus,
eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

No santo nome do teu martírio
Do teu martírio que nunca cessa
Meu Deus, eu quero, quero depressa
A minha amada mulher que passa! 

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que boia leve como cortiça
E tem raízes como a fumaça.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O Haver - Vinicius de Moraes

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura. Essa intimidade perfeita com o silêncio. Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo.

– Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido… 

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo essa mão que tateia antes de ter, esse medo de ferir tocando, essa forte mão de homem cheia de mansidão para com tudo quanto existe. 

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos essa inércia cada vez maior diante do Infinito.

Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível essa irredutível recusa à poesia não vivida. 

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade do tempo, essa lenta decomposição poética em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius. 

Resta esse coração queimando como um círio numa catedral em ruínas, essa tristeza diante do cotidiano; ou essa súbita alegria ao ouvir passos na noite que se perdem sem história… 

Resta essa vontade de chorar diante da beleza essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa piedade de si mesmo e de sua força inútil. 

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado de pequenos absurdos, essa capacidade de rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil e essa coragem para comprometer-se sem necessidade. 

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza de quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser e ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje. 

Resta essa faculdade incoercível de sonhar de transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade de aceitá-la tal como é, e essa visão ampla dos acontecimentos, e essa impressionante e desnecessária presciência, e essa memória anterior de mundos inexistentes, e esse heroísmo estático, e essa pequenina luz indecifrável a que às vezes os poetas dão o nome de esperança. 

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos de refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória.

Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade de não querer ser príncipe senão do seu reino. 

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade pelo momento a vir, quando, apressada ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada… 

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto. Esse eterno levantar-se depois de cada queda. Essa busca de equilíbrio no fio da navalha. Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo.

Infantil de ter pequenas coragens.

Vinicius de Moraes

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Ausência - Vinicius de Moraes


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida.

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. 

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados 

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada 

Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.

Eu deixarei… tu irás e encostarás a tua face em outra face. 

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. 

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu porque eu fui o grande íntimo da noite. 

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. 

Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos. 

Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir. 

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. 

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


Vinícius de Moraes

sábado, 26 de setembro de 2009

Chega de saudade - Vinicius de Moraes

Vai minha tristeza,
e diz a ela que sem ela não pode ser,
diz-lhe, numa prece
Que ela regresse,
porque eu não posso mais sofrer.
Chega, de saudade
a realidade, É que sem ela não há paz,
não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim,
não sai de mim,
não sai

Mas se ela voltar,
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei
Na sua boca,
dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim,
colado assim,
calado assim
Abraços e beijinhos,
e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
de você viver sem mim.

Não quero mais esse negócio
de você longe de mim...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Soneto do Amigo - Vinicius de Moraes


Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com os olhos que contem o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo. 

Um bicho igual à mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover 
E a disfarçar com meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer 
E o espelho de minha alma multiplica…


Vinícius de Moraes
Quadro de Bouguereau - Meditation 1885

sábado, 8 de novembro de 2008

Soneto do maior amor - Vinicius de Moraes

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.



Vinícius de Moraes

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Soneto da Hora Final - Vinicius de Moraes

Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente,
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de trevas, aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do segredo
Eu, calmo, te direi: - Não tenhas medo
E tu, tranquila, me dirás: - Sê forte.

E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.


Vinícius de Morais

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O sacrifício da Aurora - Vinicius de Moraes


Um dia a Aurora chegou-se 

Ao meu quarto de marfim 

E com seu riso mais doce 

Deitou-se junto de mim 

Beijei-lhe a boca orvalhada 

E a carne não tinha sangue 

A boca sabia a nada.

Apaixonei-me da Aurora 

No meu quarto de marfim 

Todo o dia à mesma hora

Amava-a só para mim 

Palavras que me dizia 

Transfiguravam-se em neve 

Era-lhe o peso tão leve

Era-lhe a mão tão macia.

Às vezes me adormecia 

No meu quarto de marfim

Para acordar, outro dia 

Com a Aurora longe de mim 

Meu desespero covarde 

Levava-me dia afora 

Andando em busca da Aurora 

Sem ver Manhã, sem ver Tarde.

Hoje, ai de mim, de cansado, 

Há dias que até da vida 

Durmo com a Noite, ausentado 

Da minha Aurora esquecida… 



É que apesar de sombria 

Prefiro essa grande louca 

À Aurora, que além de pouca 

É fria, meu Deus, é fria!

Vinicius de Moraes