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sábado, 20 de junho de 2020

Inverno - Cecilia Meireles

Choveu tanto sobre o teu peito 
que as flores não podem estar vivas 
e os passos perderam a fôrça 
de buscar estradas antigas. 

Em muita noite houve esperanças 
abrindo as asas sobre as ondas. 
mas o vento era tão terrível! 
mas as águas eram tão longas! 

Pode ser que o sol se levante 
sobre as tuas mãos sem vontade 
e encontres as coisas perdidas 
na sombra em que as abandonaste. 

Mas quem virá com as mãos brilhantes 
trazendo o seu beijo e o teu nome, 
para que saibas que és tu mesmo, 
e reconheças o teu sonho? 

A primavera foi tão clara 
que se viram novas estrelas, 
e soaram no cristal dos mares, 
lábios azuis de outras sereias. 

Vieram, por ti, músicas límpidas, 
trançando sons de ouro e de seda. 
mas teus ouvidos noutro mundo 
desalteravam sua sede. 

Cresceram prados ondulantes 
e o céu desenhou novos sonhos, 
e houve muitas alegorias 
navegando entre Deus e os homens. 

Mas tu estavas de olhos fechados 
prendendo o tempo em teu sorriso. 
e em tua vida a primavera 
não pude achar nenhum motivo...

Cecília Meireles

terça-feira, 27 de junho de 2017

Recado aos amigos distantes - Cecília Meireles

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.



Cecília Meireles 
Poemas (1951)

sexta-feira, 10 de março de 2017

Noite - Cecilia Meireles

Úmido gosto de terra,
cheiro de pedra lavada
tempo inseguro do tempo!
sombra do flanco da serra,
nua e fria, sem mais nada.

Brilho de areias pisadas,
sabor de folhas mordidas,
lábio da voz sem ventura!
suspiro das madrugadas
sem coisas acontecidas.

A noite abria a frescura
dos campos todos molhados,
sozinha, com o seu perfume!
preparando a flor mais pura
com ares de todos os lados.

Bem que a vida estava quieta.

Mas passava o pensamento...
de onde vinha aquela música?

E era uma nuvem repleta,
entre as estrelas e o vento.



Cecília Meireles
poesia do livro "Viagem" de 1938

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Alva - Cecilia Meireles

Deixei meus olhos sozinhos
nos degraus da sua porta. 

Minha boca anda cantando,
mas todo o mundo está vendo
que a minha vida está morta. 

Seu rosto nasceu das ondas
e em sua boca há uma estrela.

Minha mão viveu mil vidas
para uma noite encontrá-la
e noutra noite perdê-la.
Caminhei tantos caminhos,
tanto tempo e não sabia
como era fácil a morte
pela seta do silêncio
no sangue de uma alegria.

Seus olhos andam cobertos
de cores da primavera.
Pelos muros de seu peito,
durante inúteis vigílias,
desenhei meus sonhos de hera.

Desenho, apenas, do tempo,
cada dia mais profundo,
roteiro do pensamento,
saudade das esperanças
quando se acabar o mundo...

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Solidão - Cecilia Meireles

Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.

Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...

E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrelas.

A noite fecha seus lábios
— terra e céu —
guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.

Geram os olhos incertos
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.

Cecilia Meireles

sábado, 17 de dezembro de 2016

Por que me falas nesse idioma? - Cecilia Meireles

Por que me falas nesse idioma?
perguntei-lhe, sonhando.

Em qualquer língua se entende essa palavra.
Sem qualquer língua.

O sangue sabe-o.

Uma inteligência esparsa aprende
esse convite inadiável.

Búzios somos, moendo a vida
inteira essa música incessante.

Morte, morte.

Levamos toda a vida morrendo em surdina.

No trabalho, 
no amor,
acordados, 
em sonho.

A vida é a vigilância da morte,
até que o seu fogo veemente nos consuma
sem a consumir.


Cecilia Meireles

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Desamparo - Cecilia Meireles


Digo-te que podes 
ficar de olhos fechados sobre o meu peito,
porque uma ondulação maternal de onda eterna
te levará na exata direção do mundo humano.

Mas no equilíbrio do silêncio,
no tempo sem cor e sem número,
pergunta a mim mesmo o lábio do meu pensamento:
quem é que me leva a mim, 
que peito nutre a duração desta presença,
que música embala a minha música que te embala,
a que oceano se prende e desprende
a onda da minha vida, 
em que estás como rosa ou barco...?

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Canção - Cecilia Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas 
do azul das ondas entreabertas, 
e a cor que escorre dos meus dedos 
colore as areias desertas. 

O vento vem vindo de longe, 
a noite se curva de frio; 
debaixo da água vai morrendo 
meu sonho, dentro de um navio... 

Chorarei quanto for preciso, 
para fazer com que o mar cresça, 
e o meu navio chegue ao fundo 
e o meu sonho desapareça. 

Depois, tudo estará perfeito: 
praia lisa, águas ordenadas, 
meus olhos secos como pedras 
e as minhas duas mãos quebradas. 

Cecília Meireles
do livro "Viagem"

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Murmúrio - Cecilia Meireles

Traze-me um pouco das sombras serenas que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas, vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares que a noite sustenta no seu coração!

A alvura, apenas, dos ares:
vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!

Vê que nem te digo — esperança!
Vê que nem sequer sonho — amor!


Cecilia Meireles

domingo, 3 de julho de 2011

Nem tudo é fácil - Cecília Meireles


É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste. 

É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada. 

É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre. 

É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia. 

É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua. 

É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo. 

É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar.

É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo. 

Se você errou, peça desculpas... 

É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado? 

Se alguém errou com você, perdoa-o... 

É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender? 

Se você sente algo, diga... 

É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar alguém que queira escutar? 

Se alguém reclama de você, ouça... 

É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você? 

Se alguém te ama, ame-o... 

É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz? 

Nem tudo é fácil na vida...Mas, com certeza, nada é impossível ! 

Precisamos acreditar, ter fé e lutar para que não apenas sonhemos, Mas também tornemos todos esses desejos, realidade!!!


Cecília Meireles


Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre.
Cecília Meireles

Poesia tem tudo haver com o drama O grande Gatsby
Prince Cristal

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A arte de ser feliz - Cecilia Meireles


Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. 

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. 

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. 

Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. 

Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.

E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros 


e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. 

Outras vezes encontro nuvens espessas. 

Avisto crianças que vão para a escola. 

Pardais que pulam pelo muro. 

Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. 

Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. 

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. 

Ás vezes, um galo canta. 

Às vezes, um avião passa. 

Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. 

E eu me sinto completamente feliz. 

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


quarta-feira, 9 de julho de 2008

Perguntarão pela tua alma - Cecilia Meireles

Perguntarão pela tua alma
a alma que é 
ternura, bondade,
tristeza, amor.

Mas tu mostrarás a
alma do teu voo.

Livre por entre os mundos..
e eles compreenderão
que a alma pesa.

Que é um segundo corpo,
e mais amargo,
porque não se pode mostrar,
porque não se pode ver…

Cecília Meireles

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Canteiros - Cecilia Meireles

Quando penso em você
Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa,
Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego
Já me traz contentamento

Pode ser até manhã,
Cedo claro feito dia

Mas nada do que me dizem
Me faz sentir alegria

Eu só queria ter no mato
Um gosto de framboesa

Prá correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza

Que eu ainda sou bem moço
Prá tanta tristeza

E deixemos de coisa,
Cuidemos da vida,

Pois se não chega a morte
Ou coisa parecida

E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida.

Cecília Meireles

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Lua Adversa - Cecilia Meireles

Tenho fases, como a lua.

Fases de vir para a rua…

Perdição da minha vida!

Perdição da vida minha!

Tenho fases de ser tua,

Tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vem,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua…)

No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…

E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…

Cecília Meireles

sábado, 22 de março de 2008

Aceitação - Cecilia Meireles

É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens e sentir passar as estrelas do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.

É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas, que desejar que apareças, criando com teu simples gesto o sinal de uma eterna esperança.

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,nem tu.

Desenrolei de dentro do tempo a minha canção: não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.

domingo, 2 de março de 2008

Extase - Cecília Meireles

Deixa-te estar embalado no mar noturno
onde se apaga e acende a salvação.


Deixa-te estar na exalação do sonho sem forma:
em redor do horizonte, vigiam meus braços abertos,
e por cima do céu estão pregados meus olhos, guardando-te.


Deixa-te balançar entre a vida e a morte, sem nenhuma saudade.


Deslisam os planetas, na abundância do tempo que cai.
Nós somos um tênue pólen dos mundos...


Deixa-te estar neste embalo de água geando círculos.
Nem é preciso dormir, para a imaginação desmanchar-se em figuras
ambíguas.

Nem é preciso fazer nada, para se estar na alma de tudo.
Nem é preciso querer mais, que vem de nós um beijo eterno
e afoga a boca da vontade e os seus pedidos...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Medida da significação - Cecilia Meireles


I

Procurei-me nesta água da minha memória
que povoa todas as distâncias da vida
e onde, como nos campos, se podia semear, talvez,
tanta imagem capaz de ficar florindo...

Procurei minha forma entre os aspectos das ondas,
para sentir, na noite, o aroma da minha duração.

Compreendo que, da fronte aos pés, sou de ausência absoluta:
desapareci como aquele — no entanto, árduo — ritmo
que, sobre fingidos caminhos,
sustentou a minha passagem desejosa.

Acabei-me como a luz fugitiva
que queimou sua própria atitude
segundo a tendência do meu pensamento transformável.

Desde agora, saberei que sou sem rastros.

Esta água da minha memória reune os sulcos feridos:
as sombras efêmeras afogam-se na conjunção das ondas.

E aquilo que restaria eternamente
é tão da côr destas águas,
é tão do tamanho do tempo,
é tão edificado de silêncios
que, refletido aqui,
permanece inefável.


II

Voz obstinada, por que insistes chamando

por um nome que não corresponde mais a mim?

Não é do meu propósito que fiques ao longe sozinha.

Nem tu sabes que espécie de saudade abrolha na noite
e como o silêncio tenta mover-se inutilmente,
quando diriges teus ímãs sonoros,
sondando direções!
Não é do meu propósito, ó voz obstinada,
mas da minha condição.

As aparências dispersaram-se de mim,
como pássaros:
que sol se pode fixar nesta existência,
para te definir a minha aproximação?

Minhas dimensões se aboliram nos limites visíveis:
como podes saber onde me circunscrevo,
e de que modo me pode o teu desejo atingir?

Eu mesma deixei de entender a minha substância;
tenho apenas o sentimento dos mistérios que em mim se equilibram.

Como podes chamar por mim como às coisas concretas,
e assegurar-me que sou tua Necessidade e teu Bem?


III

Pela experiência do teu contentamento,

crio formas que vistam meus pensamentos irreveláveis,

e modelo fisionomias com que te possa aparecer.

Pisarei minha solidão com renúncia e alegria
e, por entre caminhos assombrados,
resoluta virei até onde te encontres,
cortando as sombras que crescem como florestas.

Eu mesma me sentirei alucinada e esquisita,
com êsse alento das nebulosas sinistras
que se desenvolvem nas febres.

Não saberei precisamente quando me verás,
nem si compreenderei a linguagem que falas,
e os nomes que teem as tuas realidades
e o tempo dos outros acontecimentos...

Mas o que, desde agora, sinto e sei com firmeza
é que tua voz continuará chamando por mim, obstinada,
embora eu não possa estar mais perto nem mais viva,
e se tenha acabado o caminho que existe entre nós,
e eu não possa prosseguir mais...


IV

A água da minha memória devora todos os reflexos.

Desfizeram-se, por isso, tôdas as minhas presenças

e sempre se continuarão a desfazer.

É inútil o meu esforço de conservar-me;
todos os dias sou meu completo desmoronamento:
e assisto à decadência de tudo,
nestes espelhos sem reprodução.

Voz obstinada que estás ao longe chamando-me,
conduze-te a mim, para compreenderes minha ausência.
Traze de longe os teus atributos de amargura e de sonho,
para veres o que dêles resta
depois que chegarem a êstes ermos domínios
onde figuras e horas se decompõem.

Não precisaremos falar mais nem sentir:
seremos só de afinidades: morrerão as alegorias.
E saberás distinguir as coisas que perecem desoladas,
olhando para esta água interminável e muda,
que não floriu, que não palpitou, que não produziu,
de tanto ser puramente imortal...

Cecília Meireles

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Fio - Cecilia Meireles

No fio da respiração,
rola a minha vida monótona,
rola o peso do meu coração.

Tu não vês o jogo perdendo-se
como as palavras de uma canção.

Passas longe, entre nuvens rápidas,
com tantas estrelas na mão...

para que serve o fio trêmulo
em que rola o meu coração?


Poesia de Cecília Meireles
do livro "Viagem"

domingo, 15 de julho de 2007

Epigrama n° 4 - Cecilia Meireles


O choro voem perto dos olhos
para que a dor transborde e caia.

O choro vem quase chorando
como a onda que toca na praia.

Descem dos céus ordens augustas
e o mar chama a onda para o centro.

O choro foge sem vestígios,
mas levando náufragos dentro. 

Cecília Meireles
do livro "Viagem"

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Epigrama nº2 - Cecilia Meireles

És precária e veloz, Felicidade.

Custas a vir, e quando vens, não te demoras.

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo, e para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.

Fizeste para sempre a vida ficar triste: porque um dia se vê que as horas todas passam, e um tempo, despovoado e profundo, persiste.


Cecília Meireles, 1938
Do livro: Viagem