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sábado, 29 de agosto de 2020

O Inseto - Pablo Neruda

Das tuas ancas aos teus pés 
quero fazer uma longa viagem. 

Sou mais pequeno que um inseto. 
Percorro estas colinas, são da cor da aveia, 
tem trilhos estreitos que só eu conheço, 
centímetros queimados, pálidas perspectivas.

Há aqui um monte. Nunca dele sairei.

Oh que musgo gigante! 
E uma cratera, uma rosa 
de fogo umedecido! 

Pelas tuas pernas desço tecendo uma espiral 
ou adormecendo na viagem e alcanço os teus joelhos 
duma dureza redonda como os ásperos cumes 
dum claro continente. 

Para teus pés resvalo para as oito aberturas 
dos teus dedos agudos, lentos, peninsulares, 
e deles para o vazio do lençol branco 
caio, procurando cego e faminto teu contorno 
de vaso escaldante!

Pablo Neruda
Imagens de Vicent Van Gogh

domingo, 7 de janeiro de 2018

Viva hoje - Pablo Neruda

Morre lentamente quem não viaja, 
Quem não lê, 
Quem não ouve música, 
Quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói seu amor próprio, 
Quem não se deixa ajudar, 
Morre lentamente 
Quem se transforma em escravo do hábito 
Repetindo todos os dias os mesmos trajetos.

Quem não muda de marca, 
Não se arrisca a vestir uma nova cor 
Ou não conversa com quem não conhece. 

Morre lentamente quem evita uma paixão 
E seu redemoinho de emoções,
Justamente as que resgatam o brilho dos olhos 
E os corações aos tropeços. 

Morre lentamente quem não vira a mesa 
Quando está infeliz com o seu trabalho ou amor, 
Quem não arrisca o certo pelo incerto 
Para ir atrás de um sonho. 

Quem não se permite 
Pelo menos uma vez na vida, 
Fugir dos conselhos sensatos... 

Pablo Neruda 
Viva hoje... Arrisque hoje... Faça hoje! 
Não se deixe morrer lentamente e nunca se esqueça de ser feliz!

domingo, 14 de maio de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 18 - Pablo Neruda

Aqui te amo nos sombrios pinheiros desenreda-se o vento a lua fosforesce sobre as águas errantes andam dias iguais a perseguir-me.

Desperta-se a névoa em dançantes figuras. Uma gaivota de prata desprende-se do ocaso. Às vezes uma vela. Altas, altas estrelas.

Ou a cruz negra de um barco.
Sozinho. Às vezes amanheço e até a alma está úmida. Soa, ressoa o mar ao longe.

Este é um porto. Aqui te amo. Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte. Eu continuo a amar-te entre estas frias coisas. Às vezes vão meus beijos nesses navios graves que correm pelo mar onde nunca chegam.

Já me vejo esquecido como estas velhas âncoras.
São mais tristes os cais quando fundeia a tarde. A minha vida cansa-se inutilmente faminta. Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.

O meu tédio forceja com os lentos crepúsculos.Mas a noite aparece e começa a cantar-me a lua faz girar a sua rodagem de sonho.

Olha-me com os teus olhos as estrelas maiores. E como eu te amo, os pinheiros no vento querem cantar o teu nome com as folhas de arame.

Pablo Neruda

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 15 - Pablo Neruda


Gosto de ti calada porque estás como ausente e me ouves de longe, e esta voz não te toca.

Parece que os teus olhos foram de ti voando e parece que um beijo fechou a tua boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma tu emerges das coisas cheias da alma minha.
 
Borboleta de sonho, pareces-te com a minha alma e pareces-te com a palavra melancolia.

Gosto de ti calada e estás como distante e estás como queixando-te, borboleta em arrulho.

E ouves-me de longe, e esta voz não te alcança: vais deixar que eu me cale com o silêncio teu.

Vais deixar que eu te fale também com o teu silêncio claro como uma lâmpada, simples como um anel.

Tu és igual à noite, calada e constelada.  
O teu silêncio é de estrela, tão longínquo e tão simples.

Gosto de ti calada porque estás como ausente.

Distante e dolorosa como se houvesses morrido.

Uma palavra então, um teu sorriso bastam.

E eu estou alegre, alegre porque não é verdade.

domingo, 7 de maio de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 14 - Pablo Neruda

Brincas todos os dias com a luz do Universo.

Sutil visitadora, chegas na flor e na água.

És mais do que a pequena cabeça branca que aperto
como um cacho entre as mão todos os dias.

Com ninguém te pareces desde que eu te amo.

Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.

Quem escreve o teu nome com letras de fumo entre as estrelas do sul?

Ah, deixa-me lembrar como eras então, quando ainda não existias.

Subitamente o vento uiva e bate à minha janela fechada.

O céu é uma rede coalhada de peixes sombrios.

Aqui vêm soprar todos os ventos, todos.

Aqui despe-se a chuva.

Passam fugindo os pássaros.

O vento.

O vento.

Eu só posso lutar contra a força dos homens.

O temporal amontoa folhas escuras
e solta todos os barcos que esta noite amarraram ao céu.

Tu estás aqui. Ah tu não foges.

Tu responder-me-às até ao último grito.

Enrola-te a meu lado como se tivesses medo.

Porém mais que uma vez correu uma sombra estranha pelos teus olhos.

Agora, agora também pequena, trazes-me madressilva,

e tens até os seios perfumados.

Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
eu amo-te, e a minha alegria morde a tua boca de ameixa.

O que te haverá doído acostumares-te a mim,

à minha alma selvagem e só, ao meu nome que todos escorraçam.

Vimos arder tantas vezes a estrela d’alva beijando-nos os olhos
e sobre as nossas cabeças destorcem-se os crepúsculos em leques rodoiantes.

As minhas palavras choveram sobre ti acariciando-te.

Amei desde há que tempo o teu corpo de nácar moreno.

Creio-te mesmo dona do Universo.

Vou trazer-te das montanhas flores alegres, “copihues”,
avelãs escuras, e cestos silvestres de beijos.

Quero fazer contigo
o que a primavera faz com as cerejeiras.


Pablo Neruda

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 13 - Pablo Neruda

Eu fui marcando com cruzes de fogo
o atlas branco do teu corpo.

A boca era uma aranha que corria a esconder-se.

Em ti, atrás de ti, temerosa, sedenta.

Histórias para contar-te à beira do crepúsculo

boneca triste e meiga, para que não estivesses triste.

Um cisne, uma árvore, algo longínquo e alegre.

O tempo da vindima, o tempo maduro e frutífero.

Eu que vivi num porto que era de onde te amava.

A solidão percorrida de sonho e silêncio.

Encurralado entre o mar e a tristeza.

Calado, delirante, entre dois gondoleiros imóveis.

Entre lábios e a voz, algo vai já morrendo.

Algo com asas de pássaro, algo de angústia e de esquecimento.

Da mesma forma que as redes não retêm a água.

Boneca minha, quase nem ficam gotas tremendo.

Mesmo assim algo canta entre estas palavras fugazes.

Algo canta, algo sobe até à minha ávida boca.

Oh poder celebrar-te com todas as palavras de alegria.

Cantar, arder, fugir, como um campanário nas mãos de um louco.

Triste ternura minha, mudas-te em quê de repente?

Quando eu cheguei ao vértice mais atrevido e frio fecha-se meu coração como uma flor noturna.

domingo, 30 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 12 - Pablo Neruda

Para o meu coração basta o teu peito
para a tua liberdade as minhas asas.

Da minha boca chegará até ao céu
o que dormia sobre a minha alma. 

És em ti a ilusão de cada dia.
Como o orvalho tu chegas às corolas.

Minas o horizonte com a tua ausência.

Eternamente em fuga como a onda.
Eu disse que no vento ias cantando
como os pinheiros e como os mastros.

Como eles tu és alta e taciturna.
E ficas logo triste, como uma viagem.

Acolhedora como um velho caminho.
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.

Eu acordei e às vezes emigram e fogem
pássaros que dormia na tua alma


Pablo Neruda
do livro 20 poemas de amor

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 11 - Pablo Neruda


Quase fora do céu fundeia entre dois montes uma metade da lua.

Girante, errante noite, a cavadora de olhos.

Quantas estrelas haverá estilhaçadas no charco.

Faz uma cruz de luto entre os meus olhos, foge.

Frágua de metais azuis, noites das caladas lutas, o meu coração dá voltas como um volante louco.

Moça vinde de tão longe, trazida de tão longe, às vezes refulge o seu olhar debaixo do céu.

Queixume, tempestade, remoinho de fúria, passa por sobre o meu coração sem te deteres.

Vento dos sepulcros, leva, despedaça, dispersa a tua raiz sonolenta.

Arranca as grandes arvores do outro lado dela.

Porém tu, moça clara, pergunta de fumo, espiga.

Era a que ia formando o vento com folhas iluminadas.

Por trás das montanhas noturnas, branco lírio de incêndio, ah nada posso dizer! 

Era feita de todas as coisas.

Ansiedade que fendeste o meu peito à facada, são horas de seguir outro caminho, onde ela não sorria.

Tempestade que enterrou os sinos, voltear turvo de borrascas para que tocá-la agora, para que entristecê-la.

Ai seguir o caminho que se afasta de tudo, onde não seja emboscada a angústia, a morte, o inverno,
com os olhos abertos entre o orvalho.

domingo, 23 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 10 - Pablo Neruda

Também este crepúsculo nós perdemos.

Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas enquanto a noite azul caia sobre o mundo.

Olhei da minha janela a festa do poente nas encostas ao longe.

Às vezes como uma moeda acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.

Eu recordava-te com a alma apertada
para essa tristeza que tu me conheces.

Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?

Porque vem até mim todo o amor de repente
Quando me sinto triste, e te sinto tão longe?

Caiu o livro em que sempre pegamos ao crepúsculo e como um cão frio rodou a minha capa aos pés.

Sempre, sempre te afastas pela tarde
para onde o crepúsculo corre apagando estátuas.

Pablo Neruda

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 9 - Pablo Neruda


Ébrio de terebintina e longos beijos, estival, o veleiro das rosas eu dirijo, dobrado para a morte do finíssimo dia, cimentado no sólido frenesi marinho.

Pálido e amarrado à minha água devorante passo no azedo cheiro do clima descoberto, vestido ainda de cinzento e sons amargos, e uma cimeira triste de abandonada espuma.

Vou, duro de paixões, montado na minha onda, única, lunar, solar, ardente e frio, repentino, adormecido na garganta das afortunadas ilhas brancas e doces como nádegas frescas.

Treme na úmida noite o meu vestido de beijos loucamente carregado de elétricas gestões, de modo heroico dividido em sonhos e embriagadoras rosas exercitando-se em mim.

Contra a corrente, no meio das ondas externas,o teu paralelo corpo aperta-se nos meus braços

como um peixe infinitamente amarrado à minha alma rápido e lento na energia sub celeste.

domingo, 16 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 7 - Pablo Neruda

Inclinado nas tardes lanço as minhas tristes redes aos teus olhos oceânicos.

Ali se estira e arde na mais alta fogueira
a minha solidão que esbraceja como um náufrago.

Faço rubros sinais sobre os teus olhos ausentes
que ondeiam como o mar à beira de um farol.

Somente guardas trevas, fêmea distante e minha,
do teu olhar emerge às vezes o litoral do espanto.

Inclinado nas tardes deito as minhas tristes redes
a esse mar que sacode os teus olhos oceânicos.

Os pássaros noturnos debicam as primeiras estrelas
que cintilam como a minha alma quando te amo.

Galopa a noite na sua égua sombria
derramando espigas azuis por sobre o campo.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 6 - Pablo Neruda

Recordo-te como eras no outono passado.
Eras a boina cinzenta e o coração em calma.

Nos teus olhos lutavam as chamas do crepúsculo.
E as folhas caíam na água da tua alma.


Fincada nos meus braços como uma trepadeira,
as folhas recolhia a tua voz lenta e em calma.


Fogueira de estupor onde a minha sede ardia.
Doce jacinto azul torcido sobre a minha alma.


Sinto viajar os teus olhos e é distante o outono:
boina cinzenta, voz de pássaro e coração de casa
para onde emigravam os meus profundos desejos
e caíam os meus beijos alegres como brasas.


Céu visto de um navio. Campo visto dos montes:
a lembrança é de luz, de fumo, de lago em calma!


Para lá dos teus olhos ardiam os crepúsculos.
Folhas secas de outono giravam na tua alma.

domingo, 9 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 4 - Pablo Neruda

É a manhã cheia de tempestade 
no coração do verão.

Como lenços brancos de adeus 
viajam as nuvens
que o vento sacode com as viageiras mãos.

Inumerável coração do vento 
pulsando sobre o nosso silêncio apaixonado.

Zumbindo entre as árvores, 
orquestral e divino, 
como uma língua cheia de guerras e de cantos. 

Vento que leva em rápido roubo a ramaria 
e desvia as flechas latentes dos pássaros.

Vento que a derruba em onda sem espuma
e substância sem peso, e fogos inclinados.

Despedaça-se e submerge 
o seu volume de beijos
combatido na porta do vento do verão.


Pablo Neruda

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 3 - Pablo Neruda

Ah vastidão de pinheiros,
rumor de ondas quebrando,
lento jogo de luzes, sino tão solitário,
crepúsculo caindo nos olhos, boneca,
búzio terrestre, em ti a terra canta!
Em ti os rios cantam e a alma foge-me neles
como tu desejares e para onde tu quiseres.

Marca-me o caminho no teu arco de esperança
e soltarei em delírio a minha revoada de flechas.

Em torno de mim já vejo a tua cintura de névoa
e o teu silêncio acossa as minhas horas perseguidas,
e és tu com os teus braços de pedra transparente
onde ancoram meus beijos e a úmida ânsia faz ninho.

Ah a tua voz misteriosa que o amor escurece e dobra
no entardecer ressoante e morrendo!

Assim em horas profundas sobre os campos eu vi
dobrarem-se as espigas na boca do vento.

Corpo de mulher minha, persistirei na tua graça.

Minha sede, minha ânsia sem limite, meu caminho indeciso!
Escuros regos onde a sede eterna continua,
e a fadiga continua, e a dor infinita.


Pablo Neruda

domingo, 2 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 2 - Pablo Neruda

Na sua chama mortal 
te envolve a luz.

Absorta, pálida do assim postada contra as velhas hélices do crepúsculo que em torno de ti dá voltas.

Muda, minha amiga, sozinha na solidões desta hora de mortes e cheia das vidas do fogo, herdeira pura do dia destruído.

Do sol desabam uvas no teu vestido escuro.

Da noite as grandes raízes crescem de súbito na tua alma, e ao exterior regressam as coisas em ti ocultas, de modo que um povo pálido e azul de ti recém-nascido se alimenta.

Ó grandiosa e fecunda e magnética escrava do círculo que em negro e doirado acontece: erguida, tenta e alcança uma criação tão viva que morrem suas flores, e cheia é de tristeza.

sábado, 1 de abril de 2017

Vinte Poemas de Amor nº 1 - Pablo Neruda

Este mês o Prince Cristal homenageia Pablo Neruda
Corpo de mulher, brancas colinas, coxas brancas, assemelhas-te ao mundo no teu jeito de entrega.

O meu corpo de lavrador selvagem escava em ti e faz saltar o filho do mais fundo da terra.

Fui só como um túnel.

De mim fugiam os pássaros, e em mim a noite forçava a sua invasão poderosa.

Para sobreviver forjei-te como uma arma, como uma flecha no meu arco, como uma pedra na minha funda.

Mas desce a hora da vingança, e eu amo-te.

Corpo de pele, de musgo, de leite ávido e firme.

Ah, os copos do peito!

Ah os olhos de ausência!

Ah as rosas do púbis!

Ah a tua voz lenta e triste!

Corpo de mulher minha, persistirei na tua graça.

Minha sede, minha ânsia sem limite, meu caminho indeciso!

Escuros regos onde a sede eterna continua, e a fadiga continua, e a dor infinita.


Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada é um livro de poesia do poeta chileno Pablo Neruda, onde se cruza o erotismo da poesia que celebra o corpo da mulher, com o gosto que Neruda tem pela natureza. 

Nestes poemas, é frequente que os dois planos se cruzem, havendo uma certa identificação entre o corpo feminino e o mundo natural (as paisagens, a terra...).

Neruda escreveu estes poemas quando tinha cerca de vinte anos, mas são alguns dos mais celebrados da sua obra.

O livro foi publicado em 15 de junho de 1924.

quinta-feira, 23 de março de 2017

O Teu Riso - Pablo Neruda

Tira-me o pão, se quiseres, tira-me o ar, mas não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa, a lança que desfolhas, a água que de súbito brota da tua alegria, a repentina onda de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda, mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me e abre-me todas as portas da vida.

Meu amor, nos momentos mais escuros solta o teu riso e se de súbito vires que o meu sangue mancha as pedras da rua, ri, porque o teu riso será para as minhas mãos como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono, teu riso deve erguer sua cascata de espuma, e na primavera, amor, quero teu riso como a flor que esperava, a flor azul, a rosa da minha pátria sonora.

Ri-te da noite, do dia, da lua, ri-te das ruas tortas da ilha, ri-te deste grosseiro rapaz que te ama, mas quando abro os olhos e os fecho, quando meus passos vão, quando voltam meus passos, nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera, mas nunca o teu riso, porque então morreria.


Pablo Neruda

terça-feira, 21 de março de 2017

Os teus pés - Pablo Neruda

Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.

Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
a duplicada purpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Talvez - Pablo Neruda

Talvez não ser, é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando o meio dia
com uma flor azul,
sem que caminhes mais tarde
pela névoa e pelos tijolos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém
soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim,
sem que viesses brusca, incitante
conhecer a minha vida,
rajada de roseira,
trigo do vento.

E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos…

E por amor
Serei… Serás…Seremos…

sábado, 28 de janeiro de 2017

Dois Amantes - Pablo Neruda

"Dois amantes ditosos fazem um só pão,
uma só gota de lua na erva,
deixam andando duas sombras que se reúnem,
deixam um só sol vazio numa cama...

De todas as verdades escolheram o dia....
não se ataram com fios senão com um aroma,
e não despedaçaram a paz nem as palavras...
A ventura é uma torre transparente...
O ar, o vinho vão com os dois amantes,
a noite lhes oferta suas ditosas pétalas,
têm direito a todos os cravos...

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem muitas vezes enquanto vivem...
têm da natureza a eternidade"...

Pablo Neruda