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sexta-feira, 26 de junho de 2020

Canção do vento e da minha vida - Manuel Bandeira

O vento varria as folhas, 
O vento varria os frutos, 
O vento varria as flores… 
E a minha vida ficava 
Cada vez mais cheia 
De frutos, de flores, de folhas. 

O vento varria as luzes, 
O vento varria as músicas, 
O vento varria os aromas… 
E a minha vida ficava 
Cada vez mais cheia 
De aromas, de estrelas, de cânticos. 

O vento varria os sonhos 
E varria as amizades… 
O vento varria as mulheres. 
E a minha vida ficava 
Cada vez mais cheia 
De afetos e de mulheres. 

O vento varria os meses 
E varria os teus sorrisos… 
O vento varria tudo! 
E a minha vida ficava 
Cada vez mais cheia de tudo. 

Manuel Bandeira

domingo, 26 de novembro de 2017

Nua Poesia - Manuel Bandeira

Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.

Brilham teus joelhos,
Brilha o teu umbigo,
Brilha toda a tua
Lira abdominal.

Teus exíguos
Como na rijeza
Do tronco robusto
Dois frutos pequenos
Brilham.

Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!
Teu dorso! Teus flancos!
Ah, tuas espáduas!

Se nua, teus olhos
Ficam nus também:
Teu olhar, mais longe,
Mais lento, mais líquido.

Então, dentro deles,
Boio, nado, salto
Baixo num mergulho
Perpendicular.


Baixo até o mais fundo
De teu ser, lá onde
Me sorri tu’alma
Nua, nua, nua…


Manuel Bandeira

domingo, 16 de julho de 2017

Último Poema - Manuel Bandeira


Assim eu quereria o meu último poema ...

Que fosse terno dizendo as coisas 
mais simples e menos intencionais 

Que fosse ardente como um soluço 
sem lágrimas

Que tivesse a beleza das flores 
quase sem perfume 

A pureza da chama em que se consomem 
os diamantes mais límpidos 

A paixão dos suicidas 
que se matam sem explicação. 

Manuel Bandeira

sábado, 14 de janeiro de 2017

Belo, belo - Manuel Bandeira

Belo, belo, minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto

Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco

Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco

Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa

Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero

Quadro de Monet
 Wild Poppies  Near Argenteuil

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Desencanto - Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento , de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue , volúpia ardente
Tristeza esparsa , remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca
Eu faço versos como quem morre.

Qualquer forma de amor vale a pena!!
Qualquer forma de amor vale amar!!


Manuel Bandeira

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Preparação para a Morte - Manuel Bandeira

A vida é um milagre
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.

Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.

O espaço, infinito, 
O espaço é um milagre.
O tempo, infinito, 
O tempo é um milagre.

A memória é um milagre. 
A consciência é um milagre. 
Tudo é milagre. 
Tudo, menos a morte.

Bendita a morte,
que é o fim de todos os milagres!

Manuel Bandeira

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Felicidade - Manuel Bandeira

A doce tarde morre. E tão mansa
Ela esmorece,
Tão lentamente no céu de prece,
Que assim parece, toda repouso,
Como um suspiro de extinto gozo
De uma profunda, longa esperança
Que, enfim cumprida, morre, descansa…

E enquanto a mansa tarde agoniza,

Por entre a névoa fria do mar
Toda minha alma foge na brisa:
Tenho vontade de me matar!
Oh, ter vontade de se matar…

Bem sei é cousa que não se diz,

Que mais a vida me pode dar?
Sou tão feliz!

— Vem, noite mansa…

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O Anel de Vidro - Manuel Bandeira

Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, 
Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim –
 era vidro e logo se quebrou…

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.

De ti conservo no peito a saudade celeste…
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste…


Manuel Bandeira

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Madrigal melancólico - Manuel Bandeira


O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza

O que adoro em ti
 lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti
 é A VIDA !!!

Manuel Bandeira