sábado, 25 de julho de 2020

Meus amigos - Fernando Pessoa

Meus amigos são todos assim:
metade loucura, outra metade santidade. 

Escolho-os não pela pele, mas pela pupila,
que tem que ter brilho questionador
e tonalidade inquietante. 

Escolho meus amigos pela cara lavada
e pela alma exposta. 

Não quero só o ombro ou o colo,
quero também sua maior alegria. 

Amigo que não ri junto,
não sabe sofrer junto. 

Meus amigos são todos assim:
metade bobeira, metade seriedade. 

Não quero risos previsíveis,
nem choros piedosos. 

Quero amigos sérios,
daqueles que fazem da realidade
sua fonte de aprendizagem,
mas lutam para que a fantasia não desapareça. 

Não quero amigos adultos, nem chatos. 
Quero-os metade infância e outra metade velhice. 
Crianças, para que não esqueçam
o valor do vento no rosto,
e velhos, para que nunca tenham pressa. 

Tenho amigos para saber quem eu sou,
pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos,
nunca me esquecerei de que a normalidade
é uma ilusão imbecil e estéril. 

Fernando Pessoa

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