sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo - Fernando Pessoa

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo. 
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.

À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.

À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve a negra ida do Sol)
Pouco a pouco o passado recordemos

E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem
Das flores que na nossa infância ida

Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.
E assim, Lídia, à lareira, como estando,

Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos
Nesse desassossego que o descanso

Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.



Fernando Pessoa 
como Ricardo Reis

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