sábado, 18 de fevereiro de 2017

Espécie de homem que sou - Fernando Pessoa

É necessário agora que eu diga que espécie de homem sou.

Meu nome, não importa, nem qualquer outro pormenor exterior meu próprio.

Devo falar de meu caráter. 
A constituição inteira de meu espírito é de hesitação e de dúvida. 
Nada é ou pode ser positivo para mim; todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo.

Tudo para mim é incoerência e mudança.
Tudo é mistério e tudo está cheio de significado.
Todas as coisas são ‘desconhecidas’, simbólicas do desconhecido.

Em conseqüência, o horror, o mistério, o medo por demais inteligente. Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo ambiente que me cercou a infância, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isto meu caráter é da espécie interiorizada, concentrada, muda, não auto-suficiente, mas perdida em si mesma.

Toda a minha vida tem sido de passividade e de sonho.


Fernando Pessoa
 O livro do desassossego
The Fabulous World of Jules Verne - film 1958 by Karel Zeman

Um comentário:

Daniela disse...

Parece que Fernando Pessoa está falando de alguém que conheço muito: eu mesma!!!
Todas as respostas estao dentro de nós! É só fazermos silêncio que ouviremos a nossa alma.