sábado, 20 de junho de 2020

Inverno - Cecilia Meireles

Choveu tanto sobre o teu peito 
que as flores não podem estar vivas 
e os passos perderam a fôrça 
de buscar estradas antigas. 

Em muita noite houve esperanças 
abrindo as asas sobre as ondas. 
mas o vento era tão terrível! 
mas as águas eram tão longas! 

Pode ser que o sol se levante 
sobre as tuas mãos sem vontade 
e encontres as coisas perdidas 
na sombra em que as abandonaste. 

Mas quem virá com as mãos brilhantes 
trazendo o seu beijo e o teu nome, 
para que saibas que és tu mesmo, 
e reconheças o teu sonho? 

A primavera foi tão clara 
que se viram novas estrelas, 
e soaram no cristal dos mares, 
lábios azuis de outras sereias. 

Vieram, por ti, músicas límpidas, 
trançando sons de ouro e de seda. 
mas teus ouvidos noutro mundo 
desalteravam sua sede. 

Cresceram prados ondulantes 
e o céu desenhou novos sonhos, 
e houve muitas alegorias 
navegando entre Deus e os homens. 

Mas tu estavas de olhos fechados 
prendendo o tempo em teu sorriso. 
e em tua vida a primavera 
não pude achar nenhum motivo...

Cecília Meireles

Um comentário:

Andrea Luísa disse...

Sou sua fã.
Poesias lindas e as imagens fascinam.
👏👏👏