Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parassem os óculos sobre a mesa.
Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
Com algum ciclista tombado?
Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?
E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
E, enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de seu senso comum, declara a seu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, além de parecerem apena uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois - Dom Quixote ou Sancho? - vive uma vida mais intensa e, portanto, mais verdadeira...
E paira no ar o eterno mistério dessa necessidade de recriação das coisas e imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
Esse enigma, eu passo a ti, pobre leitor.
E agora?
Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
"Io sonno un poeta o sonno un imbecile?"
Alternativa, aliás, extensiva ao leitor de poesia...
A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e não pensar por ele.
E daí?
Mas o melhor - pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança
O melhor é repor depressa os óculos no nariz.
Um comentário:
Cheguei aqui de fato, atrás de uma foto de Mario Quintana, para postar no meu blog. Surpeendi-me com as delícias de sua casa.
Muito prazer.
Rossana
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