sábado, 25 de março de 2017
quinta-feira, 23 de março de 2017
O Teu Riso - Pablo Neruda
Não me tires a rosa, a lança que desfolhas, a água que de súbito brota da tua alegria, a repentina onda de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda, mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me e abre-me todas as portas da vida.
Meu amor, nos momentos mais escuros solta o teu riso e se de súbito vires que o meu sangue mancha as pedras da rua, ri, porque o teu riso será para as minhas mãos como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono, teu riso deve erguer sua cascata de espuma, e na primavera, amor, quero teu riso como a flor que esperava, a flor azul, a rosa da minha pátria sonora.
Ri-te da noite, do dia, da lua, ri-te das ruas tortas da ilha, ri-te deste grosseiro rapaz que te ama, mas quando abro os olhos e os fecho, quando meus passos vão, quando voltam meus passos, nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera, mas nunca o teu riso, porque então morreria.
Pablo Neruda
terça-feira, 21 de março de 2017
Os teus pés - Pablo Neruda
contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.
Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.
Tua cintura e teus seios,
a duplicada purpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.
Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.
sábado, 18 de março de 2017
Passagem das horas - Fernando Pessoa
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Como num cofre que não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi
através das janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
através das janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto,
é pouco para o que eu quero.
Fernando Pessoa
em 22/5/1916
é pouco para o que eu quero.
Fernando Pessoa
em 22/5/1916
sexta-feira, 17 de março de 2017
Poema do amigo aprendiz - Fernando Pessoa
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu possa.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso:
é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias…
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias…
Fernando Pessoa
quinta-feira, 16 de março de 2017
terça-feira, 14 de março de 2017
Amor é bicho instruído - Carlos Drummond
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.
domingo, 12 de março de 2017
Amigos na vida - Prince Cristal
Deixamos de
nos falar,
Mas, enquanto
houver amizade,
O vivido será
saudade.
O tempo passa,
Mas, se a
amizade permanecer,
Fará nos
reaproximar e querer.
O tempo passa,
Cada vez de
forma diferente e inesquecível
cada momento consciente.
Que juntos
vivemos e
nos lembraremos eternamente.
O tempo passa,
Pode ser que
um dia não mais existamos,
mas se ainda houver amizade.
Nasceremos de
novo,
sábado, 11 de março de 2017
Serena voz imperfeita - Fernando Pessoa
Para falar aos deuses mortos.
A janela que falta ao teu palácio deita
Para o Porto todos os portos.
Faísca da ideia de uma voz soando
Lírios nas mãos das princesas sonhadas,
Eu sou a maré de pensar-te, orlando
A Enseada todas as enseadas.
Brumas marinhas esquinas de sonho…
Janelas dando para o Tédio os charcos…
E eu fito o meu Fim que me olha, tristonho,
Do convés do Barco todos os barcos…
Fernando Pessoa
sexta-feira, 10 de março de 2017
Noite - Cecilia Meireles
cheiro de pedra lavada
tempo inseguro do tempo!
sombra do flanco da serra,
nua e fria, sem mais nada.
Brilho de areias pisadas,
sabor de folhas mordidas,
lábio da voz sem ventura!
suspiro das madrugadas
sem coisas acontecidas.
A noite abria a frescura
dos campos todos molhados,
sozinha, com o seu perfume!
preparando a flor mais pura
com ares de todos os lados.
Bem que a vida estava quieta.
Mas passava o pensamento...
de onde vinha aquela música?
E era uma nuvem repleta,
entre as estrelas e o vento.
Cecília Meireles
poesia do livro "Viagem" de 1938
quarta-feira, 8 de março de 2017
Talvez - Pablo Neruda
sem que vás cortando o meio dia
com uma flor azul,
sem que caminhes mais tarde
pela névoa e pelos tijolos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém
soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim,
sem que viesses brusca, incitante
conhecer a minha vida,
rajada de roseira,
trigo do vento.
E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos…
E por amor
Serei… Serás…Seremos…
sábado, 4 de março de 2017
Se recordo - Fernando Pessoa
E o passado é o presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
sexta-feira, 3 de março de 2017
Quem ama inventa - Mario Quintana
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava…
E era um revoo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições…
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho…
Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado… e ter vivido o sonho!
terça-feira, 28 de fevereiro de 2017
Reverência ao Destino - Carlos Drumonnd
Falar é completamente fácil, quando se têm palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.
Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros,ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.
Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso. E com confiança no que diz.
Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer. Ou ter coragem pra fazer.
Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende. E é assim que perdemos pessoas especiais.
Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.
Fácil é ver o que queremos enxergar
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto. Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.
Fácil é dizer "oi" ou "como vai?".
Difícil é dizer "adeus". Principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...
Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitidan aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.
Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só. Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar. E aprender a dar valor somente a quem te ama.
Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência. Acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.
Fácil é ditar regras.
Difícil é seguí-las. Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.
Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta. Ou querer entender a resposta.
Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.
Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma. Sinceramente, por inteiro.
Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.
Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém. Saber que se é realmente amado.
Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.
Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade,que se petrifica,e nenhuma força jamais o resgata.
Carlos Drummond de Andrade
domingo, 26 de fevereiro de 2017
Lembranças - Prince Cristal
Eu lembrarei apenas as coisas das boas.
Embora rápidas...
Lembrarei no modo como me beijou,
da voz suave e carinhosa
das ligações amorosas.
Lembrarei dos filmes que assistimos juntos
e das músicas que disse gostar.
Lembrarei das palavras ousadas
das nossas imagens enroscadas,
do suor e dos gemidos de prazer.
Lembrarei do seu choro nos meus braços
Não me lembrarei das coisas ditas,
não pensadas e não cumpridas,
mal contadas, mal explicadas
Embora rápidas...
Lembrarei no modo como me beijou,
da voz suave e carinhosa
das ligações amorosas.
Lembrarei dos filmes que assistimos juntos
e das músicas que disse gostar.
Lembrarei das palavras ousadas
das nossas imagens enroscadas,
do suor e dos gemidos de prazer.
Lembrarei do seu choro nos meus braços
Não me lembrarei das coisas ditas,
não pensadas e não cumpridas,
mal contadas, mal explicadas
e das indecisões.
Não me lembrarei da ausência,
das falas tão suaves
e que agora parecem mentiras.
Não, não me lembrarei de você
como uma mulher indecisa ou ardilosa,
lembrarei somente das coisas boas.
Desisto da dor da decepção desnecessária.
Não me lembrarei da ausência,
das falas tão suaves
e que agora parecem mentiras.
Não, não me lembrarei de você
como uma mulher indecisa ou ardilosa,
lembrarei somente das coisas boas.
Desisto da dor da decepção desnecessária.
sábado, 25 de fevereiro de 2017
Alva - Cecilia Meireles
Deixei meus olhos sozinhos
nos degraus da sua porta.
Minha boca anda cantando,
mas todo o mundo está vendo
que a minha vida está morta.
Seu rosto nasceu das ondas
e em sua boca há uma estrela.
Minha mão viveu mil vidas
para uma noite encontrá-la
e noutra noite perdê-la.
Caminhei tantos caminhos,
tanto tempo e não sabia
como era fácil a morte
pela seta do silêncio
no sangue de uma alegria.
Seus olhos andam cobertos
de cores da primavera.
Pelos muros de seu peito,
durante inúteis vigílias,
desenhei meus sonhos de hera.
Desenho, apenas, do tempo,
cada dia mais profundo,
roteiro do pensamento,
saudade das esperanças
quando se acabar o mundo...
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
Grandes são os desertos - Fernando Pessoa
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos
e as almas desertas e grandes.
Desertas porque não passa por elas
senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo,
e tudo morreu.
Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.
Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião
que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia
com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta
(à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,
Arrumo melhor a mala com os olhos
de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias
(e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.
Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.
Comprem chocolates à criança
a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.
Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.
Não posso levar as camisas na hipótese
e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida,
tenho ficado sentado
sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis,
destino.
Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes
e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto,
mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.
Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a mala.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos
e as almas desertas e grandes.
Desertas porque não passa por elas
senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo,
e tudo morreu.
Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.
Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião
que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia
com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta
(à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,
Arrumo melhor a mala com os olhos
de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias
(e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.
Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.
Comprem chocolates à criança
a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.
Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.
Não posso levar as camisas na hipótese
e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida,
tenho ficado sentado
sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis,
destino.
Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes
e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto,
mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.
Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a mala.
Fernando Pessoa
como Álvaro de Campos
terça-feira, 21 de fevereiro de 2017
Tinha o trono onde ter uma rainha - Fernando Pessoa
Como amei quando amei!
Ah, como eu via
Como e com olhos de quem nunca lia
Tinha o trono onde ter uma rainha.
Sob os pés seus a vida me espezinha.
Reclinando-te tão bem? A tarde esfria…
Ó mar sem cais nem lado nem maresia,
Que tens comigo, cuja alma é a minha?
Sob uma umbela de chá em baixo estamos
E é subita a lembrança
Da velha quinta e do espalmar dos ramos.
Sob os quais a merendar
- Oh, amor da glória!
Fecharam-me os olhos para toda a história!
Como sapos saltamos e erramos…
Fernando Pessoa
domingo, 19 de fevereiro de 2017
Lute - Prince Cristal
Desejo é não é tudo.
Lute para ter paz.
Lute pelos seus sonhos.
Lute para não ser controlado.
Lute para ser o senhor do seu destino.
Lute para ter o amor que merece.
Lute para ser feliz.
Lute !
sábado, 18 de fevereiro de 2017
Espécie de homem que sou - Fernando Pessoa
Meu nome, não importa, nem qualquer outro pormenor exterior meu próprio.
Devo falar de meu caráter.
A constituição inteira de meu espírito é de hesitação e de dúvida.
Nada é ou pode ser positivo para mim; todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo.
A constituição inteira de meu espírito é de hesitação e de dúvida.
Nada é ou pode ser positivo para mim; todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo.
Tudo para mim é incoerência e mudança.
Tudo é mistério e tudo está cheio de significado.
Todas as coisas são ‘desconhecidas’, simbólicas do desconhecido.
Em conseqüência, o horror, o mistério, o medo por demais inteligente. Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo ambiente que me cercou a infância, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isto meu caráter é da espécie interiorizada, concentrada, muda, não auto-suficiente, mas perdida em si mesma.
Toda a minha vida tem sido de passividade e de sonho.
Fernando Pessoa
O livro do desassossego
The Fabulous World of Jules Verne - film 1958 by Karel Zeman
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017
O Haver - Vinicius de Moraes
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura. Essa intimidade perfeita com o silêncio. Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo.
– Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido…
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo essa mão que tateia antes de ter, esse medo de ferir tocando, essa forte mão de homem cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos essa inércia cada vez maior diante do Infinito.
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade do tempo, essa lenta decomposição poética em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio numa catedral em ruínas, essa tristeza diante do cotidiano; ou essa súbita alegria ao ouvir passos na noite que se perdem sem história…
Resta essa vontade de chorar diante da beleza essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa piedade de si mesmo e de sua força inútil.
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado de pequenos absurdos, essa capacidade de rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil e essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza de quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser e ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar de transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade de aceitá-la tal como é, e essa visão ampla dos acontecimentos, e essa impressionante e desnecessária presciência, e essa memória anterior de mundos inexistentes, e esse heroísmo estático, e essa pequenina luz indecifrável a que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos de refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória.
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade de não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade pelo momento a vir, quando, apressada ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada…
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto. Esse eterno levantar-se depois de cada queda. Essa busca de equilíbrio no fio da navalha. Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo.
Infantil de ter pequenas coragens.
Vinicius de Moraes
Vinicius de Moraes
sábado, 11 de fevereiro de 2017
Coração de ninguém - Fernando Pessoa
Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.
Se existo é um erro eu o saber.
Se acordo
Parece que erro.
Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.
Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações.
Fernando Pessoa
6-1-1923
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
Para onde vai minha vida, e quem a leva? - Fernando Pessoa

Por que faço eu, sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?
O meu destino tem um sentido e tem um jeito,
A minha vida segue uma rota e uma escala
Mas o consciente de mim é o esboço imperfeito
Daquilo que faço e sou: não me iguala
Não me compreendo nem no que, compreendendo, faço.
Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim.
É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço.
Passo, mas comigo não passa um eu que há em mim.
Quem sou, senhor, na tua treva e no teu fumo?
Além da minha alma, que outra alma há na minha?
Por que me destes o sentimento de um rumo,
Se o rumo que busco não busco, se em mim nada caminha
Senão com um uso não meu dos meus passos, senão
Com um destino escondido de mim nos meus atos?
Para que sou consciente se a consciência é uma ilusão?
Que sou entre quê e os fatos?
Fechai-me os olhos, toldai-me a vista da alma!
Ó ilusões! Se eu nada sei de mim e da vida,
Ao menos eu goze esse nada, sem fé, mas com calma,
Ao menos durma viver, como uma praia esquecida…”
Fernando Pessoa
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017
Da-me a tua mão - Clarisse Lispector
Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir
Nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
Texto de Clarice Lispector
arranjado em forma de poema pelo padre Antônio Damásio.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Não, devagar - Fernando Pessoa
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.
Devagar…
Sim, devagar…
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar…
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima…
Talvez isso tudo…
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar…
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo…
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?
Fernando Pessoa
como Álvaro de Campos
sábado, 4 de fevereiro de 2017
Solidão - Cecilia Meireles
Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.
Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...
E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrelas.
A noite fecha seus lábios
— terra e céu —
guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.
Geram os olhos incertos
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.
Cecilia Meireles
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